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30 novembro 2012

E-mails apontam conflitos entre investigados pela operação da PF

Ex-chefe de gabinete da Presidência em SP reclama de ex-diretor da ANA. Mensagens mostram tentativa de burlar vigilância do sistema financeiro.

Novos trechos de e-mails interceptados pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Porto Seguro mostram detalhes da engenharia financeira da quadrilha suspeita de vender pareceres e fazer tráfico de influência. Nas conversas, os integrantes do grupo usavam mecanismos para enganar os órgãos de fiscalização. As trocas de mensagens também mostram que a relação entre os investigados nem sempre foi tranquila. O Jornal Nacional teve acesso a novos relatórios da PF (veja no vídeo acima), que revelam que a relação da suposta troca de favores entre Rosemary Nóvoa de Noronha, ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo, e Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor de Hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA), nem sempre foi amistosa. Paulo chegou a ser preso durante a operação, mas conseguiu habeas corpus nesta sexta-feira (30).
Em e-mail de 22 de abril de 2009, com o título de “cobrança sem fundamento”, Rosemary faz um relatório para Paulo Vieira sobre vários assuntos e reclama:
“Não gostei nem um pouco de suas cobranças. O que não está andando além da Anac? Bahia, caminhando bem. ANA, fiz tudo que você pediu, o que mais você quer? BB os seus dois pedidos não dependem de mim, mas estão muito bem encaminhados, eu te avisei que só serão resolvidos após a posse da nova diretoria, que é amanhã. As pessoas precisam sentar na cadeira nova e tomar pé do que está em jogo. Quanto ao pagamento que está para chegar, considero que você não está me fazendo nenhum favor (...) Não nasci ontem, não sou boba! Se você acha que não está correto, aborte o envio dos 30 livros.”, diz o e-mail.
Arte quem é quem operação Porto Seguro (Foto: Editoria de Arte / G1)
De acordo com a PF, toda vez que os suspeitos falam em livros, eles querem dizer, na verdade, dinheiro. A queixa continua. “Quanto à viagem de navio, considero que fica pela cota dos camarotes na Bahia no carnaval dois anos seguidos. Então, pelo que você vê, meus pedidos são em número maior, mas muito pequenos em relação aos seus! Tenha paciência”, pede na mensagem.
Pelas datas de vários e-mails aos quais a PF teve acesso, é possível entender alguns pontos desta mensagem. Em 9 de janeiro de 2009, o empresário César Floriano, da empresa Tecondi, manda um e-mail para Paulo.
Segundo a investigação da PF, Paulo atuava em favor de César. “Compramos uma área na Bahia. Temos a intenção de reativá-la. O presidente do nosso grupo gostaria de uma audiência com o governador. Você tem como ajudar nesse agendamento?”, diz o e-mail.
Dezenove dias depois, Rosemary responde para Paulo. “Boa Paulo. Acertei com o governador Jacques Wagner a audiência”, afirma a mensagem. Quando fala da ANA, Rosemary se refere à indicação do próprio Paulo Vieira para uma das diretorias. Durante a negociação do cargo, Paulo manda um artigo para Rosemary. Ela responde. "Posso dar para o PR esse paper do jeito que está?", pergunta. A expressão PR é usada para se referir ao cargo de presidente da República.
A assessoria do governador da Bahia, Jacques Wagner, informou que ele estava num evento público - e, por isso, não poderia falar sobre o assunto.

Quatro meses depois, em dezembro de 2009, Rosemary pede a Paulo. "Gostaria que você juntasse tudo que saiu na imprensa a seu respeito e me enviasse. Quero mostrar ao PR.” A nomeação de Paulo para a diretor de Hidrologia da ANA saiu em maio de 2010, com salário de R$ 23.890,85.
Procurada pela equipe de reportagem, a assessoria de imprensa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que uma das funções do escritório da Presidência em São Paulo é encaminhar materiais enviados por qualquer pessoa ao presidente.
No mesmo dia em que Rosemary envia mensagem reclamando das cobranças, Paulo e Rubens Vieira, irmão do ex-diretor e que ocupava um cargo na direção da Anac, trocam um e-mail em que combinam esconder informações de Rosemary. "Não fale muitas informações sobre o processo da BA com a Rose, pois temos que abafar a 'pedição' de dinheiro, pois a amiga é uma máquina de gastar", diz a mensagem.

Engenharia financeira
O jogo de palavras na troca de e-mails revela também uma parte da engenharia financeira investigada pelos agentes federais. Paulo e o irmão Rubens Vieira tentavam burlar os mecanismos de vigilância do sistema financeiro.

Em 3 de agosto de 2011, Paulo orienta a mulher dele, Andreia, e um dos irmãos, Marcelo Vieira. “Segue abaixo os dados para o depósito dos recursos. Peço-lhe fazer em parcelas de até R$ 9 mil”, afirma. No mesmo dia, a conta recebeu oito depósitos nesse valor. Cinco dias depois, mais três depósitos. No fim do mês, outros seis.

A conta pertence à empresa P1, que está em nome da mãe e do cunhado de Paulo Vieira. Ela tem sede em Condeuba, na Bahia, cidade natal de Paulo. O valor de cada depósito era sempre menor do que R$ 10 mil. Acima desse valor, o banco é obrigado a informar ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

A conta, aberta em julho de 2011 em uma agência da cidade de Cruzeiro, interior de São Paulo, operou por quase quatro meses. Em novembro, o banco Itaú mandou uma carta para a empresa em que diz: “informamos que, por desinteresse comercial, iniciaremos o processo de encerramento de sua conta”. Nos meses em que ficou aberta, a conta movimentou R$ 2,6 milhões.
A advogado de Paulo Rodrigues Vieira informou que seu cliente vai analisar o processo e explicar suas movimentações financeiras. "“Ele está analisando os autos e toda a documentação que for juntada. Ele disse que vai apresentar explicações sobre todo o patrimônio dele, sobre todas as movimentações financeiras. Assim que tiver acesso a todos os autos. Evidentemente, como ele estava preso, não conseguiu analisar todos os extratos bancários. No momento certo vai apresentar todas as explicações a respeito”, disse Pierpaolo Bottini.
A empresa Tecondi informou que não tem negócios na Bahia. E, como desde junho, passou para as mãos de um novo grupo, não pode responder pela administração anterior. A assessoria do governador da Bahia, Jacques Wagner, informou que ele estava num evento público e, por isso, não poderia falar sobre o assunto. Os advogados de Rosemary Noronha, César Floriano e Andreia Cristina Vieira não foram encontrados.
Operação
A especialidade de Paulo Vieira, segundo as investigações da PF, era fazer contatos entre empresários em dificuldades e funcionários públicos que pudessem ser corrompidos.
A operação Porto Seguro cumpriu 26 mandados de busca e apreensão em São Paulo e 17 no Distrito Federal na sexta-feira (23). Dezoito pessoas foram indiciadas por suspeita de participação no esquema criminoso, entre elas a então chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, e José Weber Holanda, número dois na hierarquia da Advocacia-Geral da União (AGU).
No sábado (24), a presidente Dilma Rousseff determinou a exoneração ou afastamento de todos os servidores envolvidos na operação Porto Seguro.
Fonte: G1 Globo.com.